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A velocidade nos cuidados individuais e coletivos aos bebês

Um encontro entre a Filosofia, o Serviço Social e a Psicologia


Texto de autoria das Profas. Maria Carolina Santos Rocha, Sylvia Nabinger e Gabriela Dal Forno Martins


Entre os dias 31 de agosto e 02 de setembro de 2023 ocorreu, em Bento Gonçalves - RS, o XVI Congresso Gaúcho de Psiquiatria, cujo tema geral foi “A Psiquiatria no mundo em aceleração”. Como parte da programação do evento, conduzimos uma Mesa Redonda intitulada “Da vivência à experiência: a velocidade nos cuidados básicos individuais e coletivos dos bebês”, que foi mediada pela Dra. Candice Pasqualin de Campos.


Dada a relevância do tema, compartilhamos brevemente neste texto os principais pontos por nós levantados na referida Mesa, como forma de seguirmos refletindo e de compartilharmos tais reflexões com outras audiências.


A Profa. Maria Carolina Santos Rocha deu início à Mesa, sustentando sua fala nos aportes teóricos de Paul Virilio, Filósofo e Urbanista que investigou as implicações políticas e sociais da aceleração do cotidiano. Um dos principais pontos enfatizados pela Profa. foi a ideia, também trazida em sua tese de Doutorado, de que “A crise da habitabilidade contemporânea denuncia um desapego ao espaço¹”. Nesse sentido, o avanço tecnológico, associado à obstinação por ganhar tempo e produzir mais, têm gerado um empobrecimento na relação do homem com o espaço, na medida em que não mais interessa a vivência do trajeto, mas sim somente a velocidade com que se alcança o fim, ou seja, o resultado. Nesse processo, a Profa. também salientou que verifica-se uma perda de sensações cinéticas, táteis e olfativas na relação com o espaço e, em última instância, uma fragmentação da identidade.


Quais as implicações desses aspectos para a vida dos bebês? A Profa. Sylvia Nabinger iniciou essa reflexão focalizando, especialmente, a questão da velocidade nos cuidados corporais aos bebês e nos ritmos de desenvolvimento, muitas vezes, impostos pelos adultos sem o adequado respeito ao processo individual de cada criança, tanto no contexto familiar, quanto nas creches. O convite feito pela Profa. ao público foi o de refletir que tipo de sujeito desejamos formar: um sujeito passivo, submetido ao outro, que precisa do controle externo para se regular e para atuar no mundo; ou um sujeito ativo que, ao vivenciar relações de respeito mútuo, pode encontrar internamente motivação para buscar seus desejos pessoais e também para se comprometer com o outro.


Sustentada na abordagem desenvolvida pela Pediatra Emmi Pikler, Sylvia deu exemplos de situações de cuidado que podem levar ao desenvolvimento desses dois tipos de sujeitos. Em alguns casos, o cuidado é atravessado pela velocidade concreta do manuseio feito pelo adulto ao corpo do bebê, que se expressa em uma relação mecânica, de assujeitamento do bebê ao adulto (por exemplo, em uma situação de troca de fraldas). Em outras situações, o cuidado é submetido à velocidade interna do adulto (ansiedade), justificada por uma lógica de antecipação como sinal de sucesso (por exemplo, no caso do desfralde precoce).


Nos dois casos, observa-se, assim como salientado pelo filósofo Virilio, um desinteresse pelo trajeto e uma fragmentação da experiência. Nessa linha, a Profa. Gabriela Martins finalizou a Mesa discutindo o conceito de experiência no bebê e, a partir dele, refletindo sobre a natureza das “atividades” que são atualmente oferecidas aos bebês, seja na família ou nas creches. Apoiada na abordagem pikleriana e também em autores como Piaget e Golse, Gabriela defendeu uma concepção de experiência que enfatiza a autonomia do bebê como força motriz principal do seu desenvolvimento, mas também de sua satisfação de ser e estar no mundo. Ao observamos um bebê em ação autônoma, ou seja, podendo escolher a posição corporal, os objetos e a forma como irá manuseá-los, bem como podendo expressar-se livremente, vemos a alegria e a concentração com que o faz. Portanto, tal como enfatizado por Golse, “pensar, agir e sentir se mostram, no bebê, como absolutamente indissociáveis”².


Porém, no mundo contemporâneo, cada vez mais, valorizam-se “atividades” nas quais os bebês são impedidos de exercerem sua liberdade e, portanto, de viverem verdadeiras experiências de integração e de satisfação. Brinquedos e dispositivos cujo objetivo é estimular aspectos específicos do desenvolvimento, de forma fragmentada (por exemplo, ora com foco visual, ora auditivo e ora motor), direcionam a atenção do bebê com a intenção de estimulá-lo (acelerar seu desenvolvimento), mas, paradoxalmente, controlam o seu corpo (desaceleram). Exemplos concretos disso podem ser vistos em tapetes de estimulação, que impedem os bebês de pegarem objetos e os reterem em suas mãos, cadeiras ou mesas de estimulação que colocam os bebês em posições que ainda não conquistaram, para que fiquem “livres” para mexer em objetos que também estão presos, etc. Situações semelhantes, muitas vezes, são vistas em algumas creches, as quais, com a justificativa de que devem realizar “atividades pedagógicas”, paralisam as ações dos bebês e os submetem a atividades descontextualizadas e mecânicas.


Mais uma vez, os apontamentos de Virilio se conectam com o modo como nós, adultos, temos conduzido o cotidiano dos bebês, cotidiano esse que espelha muito a forma como os próprios adultos vivem suas vidas atualmente. Para encerrar, deixamos novas perguntas que nos fizemos também na ocasião do Congresso: Esse contexto de aceleração se aplica a todos os bebês e adultos, indiscriminadamente? Como tem afetado bebês e famílias que vivem em situação de maior vulnerabilidade social? Como podemos ajudar as famílias e também as instituições a buscarem outros caminhos para os cuidados aos bebês?



Maria Carolina Santos Rocha é Doutora em Filosofia Contemporânea pela ESA/Paris e UFRGS/Brasil. Mestre em Sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS)/Paris.


Sylvia Nabinger é Doutora em Direito de família pela Universidade de Lyon França, Consultora Internacional pela Infância, Assistente Social aposentada do Juizado da Infância de POA, Terapeuta familiar.


Gabriela Dal Forno Martins é Doutora em Psicologia, com Pós-doutorado em Educação. Diretora da Zelo Consultoria em Educação e Desenvolvimento Infantil, na qual atua como consultora educacional e formadora de professores e outros profissionais que atuam junto às crianças.



¹ “Da Dromologia: Paul Virilio e a poética do movimento” - Tese de Doutorado de autoria de Maria Carolina dos Santos Rocha, orientada pelo Prof. Dr. Balthazar Barbosa Filho, em 2001, pelo Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


² “Dos sentidos ao sentido: o lugar da sensorialidade no desenvolvimento”. Texto retrabalhado a partir da comunicação feita por Bernard Golse no colóquio sobre sensorialidade organizado pelo IRSA (Instituto real para surdos e cegos), na comemoração dos seus 175 anos, sobre o tema: “Caminho dos sentidos, caminho dos conhecimentos”, IRSA, Bruxelas, 18 de novembro de 2010 (comunicação não publicada).



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